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A PSICOLOGIA DO ESPORTE NO ESPORTE DE ALTO RENDIMENTO.

revista articuloA PSICOLOGIA DO ESPORTE NO ESPORTE DE ALTO RENDIMENTO.
Francisco García Ucha.
Recuperado de: http://academiaenergiacg.blogspot.com/2015/11/a-psicologia-do-esporte-no-esporte-de.html
Para alguns psicólogos e outros especialistas das Ciências do Esporte é comum pensar que a Psicologia do Esporte teve seu início na área do esporte de elite, o qual também denominamos Esporte de Alto Rendimento. Este modo de pensar provém da importância que cobra o esporte altamente competitivo com o estabelecimento dos Jogos Olímpicos Modernos, desde anos posteriores à Segunda Guerra Mundial até a atualidade. Em realidade, os primeiros estudos em Psicologia do Esporte começam, no esporte infantil e juvenil, nas escolas de educação média ou universidades. Em países como Estados Unidos, Rússia e Alemanha, em fins do século XIX, e também na antiga União Soviética por volta de 1920. É conveniente assinalar, como argumenta Balagué (2006): “Uma das primeiras aclarações que se há de fazer é que o esporte de alto rendimento é só uma das áreas de intervenção”. A autora propõe a seguinte definição dos objetivos da Psicologia do Esporte de Alto Rendimento: “proporcionar ferramentas e eliminar obstáculos para que os desportistas e treinadores consigam seu nível elevado”. A Psicologia do Esporte é, como toda ciência, um processo social e, portanto, o dever da sociedade influencia de forma determinante seu desenvolvimento, passando desde etapas progressivas até períodos regressivos e novamente progressivos. Por isso, o desenvolvimento do esporte influencia a intervenção das ciências do esporte e, entre elas, a psicologia esporte no alto rendimento. Separar o conhecimento exato e rigoroso mediante o qual se constrói uma disciplina científica das valorações e considerações ideológicas, fruto do processo social, constitui um erro técnico e metodológico que não permitiria clarificar a história e o futuro da ciência; por isso, todo avanço ou retrocesso depende de condições de ordem sociológica. O interesse pela Psicologia do Esporte, como sinalizamos anteriormente, começa pela inquietude de pedagogos, professores de Educação Física, treinadores e psicólogos, que advertem sobre a existência de contradições no processo da atividade física; a educação física e o esporte de tipo escolar e juvenil, por exemplo. Os primeiros aportes em referência ao nascimento da Psicologia do Esporte no leste europeu são atribuídos a P. Lesgaft, o qual na Rússia do princípio do século 20 (1901) descreveu os possíveis benefícios psicológicos da atividade física em crianças. Com o propósito de estabelecer-se uma ordem condutora das idéias que se expõe neste capítulo, estaremos referenciando, em primeiro lugar, o desenvolvimento da Psicologia do Esporte e sua irrupção no Esporte de Alto Rendimento na antiga União Soviética e, posteriormente, a trajetória seguida pelos EUA, bem como por Cuba. Considera-se que Lesgaft (1901) incorporou, de forma decisiva, a Psicologia à Educação Física. Sua obra de maior destaque foi “Guia da Educação Física da Idade Escolar”. No entanto, somente depois da Revolução de Outubro de 1917, é que são criados Institutos Especializados em Cultura Física e Esporte em Moscou e Leningrado (Petrogrado). Nestes institutos se retomou a idéia de Lesgaft, e Rudick (1974) e Puni (1973), entre os anos de 1925 e 1926, considerados os pais da Psicologia do Esporte soviética, começaram seus primeiros trabalhos no âmbito dos laboratórios voltados para a formação de professores de Educação Física e Esporte. Entre 1925 e 1930 começaram a aparecer as primeiras publicações de Psicologia do Esporte. Rudick (1973) apresentou “A influência do trabalho muscular no tempo de reação” e Puni (1974) seus ensaios “Em torno da influência das lições de Educação Física sobre o domínio de si mesmo”. Os primeiros trabalhos de Puni (1929) foram sobre a “Influência psicofisiológica do tênis de mesa” e o estudo da “Influência das competições sobre a psique dos esquiadores”. Puni, nos anos 30 do século 20, realizou todo um trabalho dirigido à fundamentação teórica e metodológica da Psicologia do Esporte sob a base de uma orientação marxista, cujo pilar fundamental seria o reconhecimento de que a psique do homem se manifesta e se desenvolve na atividade sob a influência de suas condições objetivas e subjetivas. A determinação destes princípios teóricos e metodológicos exerceu uma influência decisiva no desenvolvimento da Psicologia do Esporte soviética pois, a partir de então, passaram a ser estudadas as características específicas e condições objetivas da atividade desportiva, tanto nos seus aspectos comuns como no singular de cada modalidade esportiva. Seguindo esta direção, foram estudados também os problemas psicológicos relacionados com a preparação física, técnica e tática dos desportistas, assim como os aspectos relacionados com a competição desportiva. A atividade dos psicólogos do esporte se consolidou no esporte de alto rendimento depois da Segunda Guerra Mundial no período que abarca desde 1945 até 1957, com a aplicação de princípios metodológicos aplicados à área da aprendizagem motora, à personalidade e à preparação psicológica. A principal causa para o desenvolvimento das Ciências do Esporte, dentre elas a Psicologia do Esporte, é atribuída à “Guerra Fria”, dado o interesse de cada um dos dois sistemas vigentes, nessa época, em dominar cada uma das esferas da atividade humana. Na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a Psicologia do Esporte se dedicou de maneira preponderante, a assegurar a preparação psicológica dos desportistas de alto rendimento para as competições, já que esta atividade científica se relacionava com os rendimentos esportivos na arena internacional, lugar de confrontação de ambos os sistemas sociais. Realizaram-se, após este propósito, tanto investigações teóricas como práticas e aplicações importantes dos resultados mais avançados da psicologia da época. A partir dos anos 60, o tema da preparação psicológica do desportista para as competições se intensificou, em função de uma observação sistemática das demandas psicológicas de cada modalidade esportiva e das necessidades específicas de cada desportista. Durante esse período foram realizadas cinco Conferências Nacionais dedicadas ao tema. Rudik (1968) assinala que na década compreendida pelos anos 60 foram objeto de estudo: a dinâmica do desenvolvimento das funções psicológicas no processo de treinamento e competições desportivas; bases psicológicas da preparação volitiva; preparação psicológica do desportista para a execução da ação em competição; a personalidade do desportista e a psicologia do esporte nas etapas escolar e juvenil. Uma influência importante no desenvolvimento da Psicologia do Esporte dentro do ângulo do alto rendimento adveio com as Olimpíadas da Cidade do México, em 1968. Disputadas a cerca de 2.400m acima do nível do mar, acarretaram na necessidade de numerosos estudos sobre como esta condição climática iria impactar no rendimento dos desportistas. Já nos anos 70 e 80 os psicólogos do esporte continuaram o aperfeiçoamento dos procedimentos da preparação psicológica dos atletas de alto rendimento, a seleção de talentos, a psicologia do esporte infantil e juvenil, a recuperação do desportista, aspectos da psicologia social no esporte e a formação do treinador como Mestre em Psicologia. Cruz Feliu (1990, 1991) argumenta que a Psicologia do Esporte na União Soviética (URSS) deu uma contribuição singular à metodologia das pesquisas e ao trabalho prático dos psicólogos do esporte, estabelecendo as bases para considerar o papel ativo da personalidade do desportista nas condições da atividade. Apesar do desenvolvimento das idéias acerca da preparação psicológica tanto por parte de Puni (1969), Rudik (1982), Rodionov (1983) e Gorbunov (1988) e outros psicólogos soviéticos, as concepções destes autores giram – com alguns matizes diferenciais – em torno da formação do estado de “predisposição psicológica” para a competição. Tudo isso tendo como ponto de partida para a obtenção deste estado psicológico o sistema que estrutura a preparação psicológica em três tipos básicos: geral, especial e direto. Cada um destes tipos de preparação psicológica exige tarefas de ordem diferente, ainda que encaminhadas à formação da predisposição psicológica e ao aperfeiçoamento das capacidades psicológicas que são premissas do rendimento. Assim, a preparação psicológica geral tem como propósito o aperfeiçoamento das capacidades psicológicas vinculadas à ação motriz, à garantia do suporte psicológico da técnica e da tática e à formação e desenvolvimento das qualidades volitivas e morais do desportista. A preparação psicológica especial se concentra no desenvolvimento da predisposição psicológica para a competição. A preparação psicológica direta para a execução imediata da ação tem como meta garantir o ótimo funcionamento dos processos de atenção do desportista e se subdivide em duas fases: a primeira dedicada à orientação da atenção e a segunda, a sua concentração. Difere substancialmente da preparação psicológica especial, fundamentalmente, por seu conteúdo e pelo tempo em que as mesmas se realizam. Em suma, a preparação psicológica resulta em um complicado processo em que se encontram envolvidos os processos, qualidades, propriedades e estados psicológicos da personalidade do desportista, com as características peculiares de cada tipo de esporte, de suas exigências e com as particularidades estruturais, organizacionais e funcionais dos períodos e etapas do processo do treinamento e competição. Uma visão tão ampla do trabalho da preparação psicológica do desportista para as competições requer um enfoque no sistema de sua abordagem por parte dos especialistas. No entanto, os autores soviéticos não esclareceram a forma de integrar os diferentes aspectos da preparação psicológica, dedicando desta maneira um enfoque total das potencialidades dos desportistas e que teve como categoria central a personalidade. Isto teve certas conseqüências para que se pudesse aproveitar os procedimentos e técnicas empregadas durante a preparação psicológica. Apesar da consistência teórica e metodológica da concepção desenvolvida pelos psicólogos soviéticos, já em meados dos anos 80 (oitenta) se podiam analisar algumas limitações em sua elaboração na prática. Neste período, García Ucha (1982) alertou que a formulação de vários tipos de preparação psicológica para as competições implicava na realização de muitas tarefas específicas, perdendo-se com freqüência, no marco destas atividades, os propósitos essenciais da preparação psicológica relativos à categoria personalidade do desportista. Da maneira em que se colocava a preparação psicológica esta ficava dirigida às estruturas da mente de forma separada. Por exemplo, se atendia ao aperfeiçoamento das bases psicológicas da atividade motriz, por outro lado aos fundamentos psicológicos da tática e também, em outro ângulo, à garantia da regulação das manifestações emocionais negativas antes da competição. A falta de um enfoque integral, em que a categoria personalidade resultava como chave, influía no próprio processo de diagnóstico do grau de preparação psicológica, formado exclusivamente por elementos psicológicos isolados. García Ucha (1982) enfatizou que tal fato se devia à ausência da aplicação do Princípio da Personalidade nos estudos e tarefas dos psicólogos do esporte soviéticos. Esta deficiência levou a uma visão “reducionista” da preparação psicológica do atleta para as competições de alto rendimento. O Princípio da Personalidade tem por essência colocar a personalidade como uma categoria integradora e central dentro do sistema de categorias psicológicas desde o ponto de vista teórico e metodológico. Os autores soviéticos, apesar de partirem do enfoque teórico e metodológico sócio-cultural desenvolvido de forma monumental por Vigotski em 1934 (1969) e muitos outros autores de orientação marxista, não tinham o foco de sua atenção na personalidade, antes, porém, na teoria da atividade desenvolvida por Leontiev (1978). No entanto, uma aproximação ao princípio da personalidade que expressa o propósito de adquirir uma compreensão integrada das funções reguladoras e criativas da personalidade, vista como um todo foi exposta por diferentes investigadores, dentre os quais se destacam: Shorojova ( 1980), D’Angelo Hernández (1989). O princípio, explicitado, propõe que todos os processos, propriedades e estados psíquicos se analisam como pertencentes a um indivíduo concreto e isso pressupõe que a personalidade se interprete não como um conjunto de processos, propriedades e estados psíquicos isolados, antes como elemento de determinada estrutura. Deste modo, por norma, os elementos da esfera de motivação, assim como de outras funções do indivíduo, constituem uma expressão fundamental da personalidade como unidade sistêmica. Ainda que não devamos ver o princípio de forma esquemática, se faz necessário enfatizar que o fato de realizar-se uma pesquisa, por exemplo, da motivação do desportista, deva ser aplicando o princípio da personalidade. Para tanto, é necessário que se leve em consideração sua dinâmica na regulação da personalidade, do contrário, dificilmente poderia expressar-se o enfoque da personalidade. O Princípio da Personalidade não significa qualquer estudo da personalidade, mas sim que, por meio dela e como em um todo, se conhecem seus elementos e os nexos destes elementos tanto entre si como também com a personalidade íntegra. Tal formulação resulta importante, uma vez que, destaca o caráter totalizador e integrador da personalidade, o que põe de manifesto a interação entre sistemas das distintas propriedades da personalidade como síntese de complexas estruturas. Assim, cada propriedade da personalidade é simultaneamente a expressão da inclinação, do caráter, necessidades, herança e atividade. O estudo daquelas unidades integrais como o é a orientação da personalidade, ao conter as relações entre diversas propriedades particulares, aponta para a compreensão mais ampla da personalidade e constitui uma via possível de aplicação do enfoque centrado na personalidade. Por exemplo, se são descritas as reações frente ao fracasso de um desportista, quando se refere à expressão destas reações pode-se, devido a sua intensidade, chegar a um estado denominado “afeto de inadequação”. Analisado sob ótica do Princípio da Personalidade, a reação emocional ante o fracasso pode ser explicada a partir de um complexo subsistema da personalidade, integrado pela orientação desta, autovalorização, insegurança, grau de aspiração e intensidade e conteúdo dos motivos vinculados ao esporte. Donde se conclui que orientar-se pelo Princípio da Personalidade implica levar em consideração o caráter integral e interno, psicológico, de determinados subsistemas reguladores das distintas expressões do homem. O Princípio da Personalidade chama a atenção sobre o caráter da relação entre as formações psicológicas integradoras complexas da personalidade e suas formações reguladoras. Para D’Angelo Hernández (1989) esta expressão do Princípio da Personalidade apresenta uma alternativa produtiva para sua aplicação na prática investigativa e para a compreensão totalizadora da subjetividade, que se distingue, ademais, pelo caráter aberto da investigação, pela possibilidade de descobrimento das formas de funcionamento e integração dos diferentes subsistemas de regulação. Em suma, o Princípio da Personalidade que se desenvolve dentro da própria Psicologia Geral Soviética, apesar de seu conhecimento e de sua exaltação pelos psicólogos do esporte soviéticos e de outros países do excampo socialista, na prática profissional não se apresentava em coerência com ele mesmo. Resulta evidente que, ao não se incluir o Princípio da Personalidade como fundamento integrador, se incorre em uma utilização metodológica incorreta dos meios e procedimentos tanto no diagnóstico como nas intervenções a realizar, sendo esta uma das causas que dão lugar a atividades e recomendações no esporte que são pouco eficazes na solução das diferentes alternativas que deve enfrentar o desportista. Para García Ucha (2000), um dos fatores de maior incidência para que ocorra este distanciamento e incongruências na Psicologia do Esporte Soviética se identifica com a imperfeita conexão entre os descobrimentos conseguidos pela psicologia soviética e sua assimilação por quem devem tê-los generalizado à prática profissional. Na antiga União Soviética a imensa maioria dos especialistas em Psicologia do Esporte não era de psicólogos e sim de professores de Educação Física ou treinadores que adquiriam o grau de mestre ou de doutores em Ciências Psicológicas nos Institutos de Cultura Física e Esporte, por isso não tinha uma compreensão exata e a ponderação adequada do Princípio da Personalidade e de outras elaborações da teoria psicológica soviética. Aqui aparece justamente um dos problemas estabelecidos acerca do caráter multidisciplinar das Ciências do Esporte o que nos leva a apontar sobre a necessidade de abarcar dentro da Psicologia do Esporte a aplicação do mais moderno e avançado da Psicologia, sem que tampouco nos apartemos de um conhecimento adequado do esporte. Assim, a nosso ver, o problema deve ser resolvido por meio da busca das regularidades que expliquem as propriedades da personalidade do desportista como sistema. É justo dizer que o fenômeno de especialistas não psicólogos, na área da Psicologia do Esporte, não somente ocorreu nos países ex-socialistas como igualmente em outras regiões do mundo, incluindo os Estados Unidos da América do Norte, Inglaterra e outros países onde, também, outros professores de Educação Física e treinadores receberam algum tipo de especialização em Psicologia. Em suma, é necessário destacar que qualquer atividade da preparação desportiva, seja técnica, tática, física ou psicológica não pode ser efetiva senão está baseada em uma concepção dirigida até a personalidade do desportista, sobretudo se sustentamos que a personalidade é o sistema regulador mais complexo e hierarquicamente superior da pessoa e que, neste sistema, se encontram os elementos sócio-culturais e históricos que, incluindo os ideais, valores, conhecimentos e capacidades, permitem precisamente a humanização do próprio esporte. A solução para o problema formulado constitui na elaboração de uma só tecnologia no processo da preparação psicológica para as competições, dirigido não ao estudo isolado de formações psicológicas, mas ao que facilitará um enfoque em um sistema cuja categoria integradora seja a personalidade. A complexidade para assumir o Princípio da Personalidade na prática científica ocupou um lugar especial no final dos anos 80 (oitenta) e início dos anos 90 (noventa). Apreciaram-se novas dificuldades não só na Psicologia do Esporte, mas também na própria Psicologia Geral. Um abismo entre as teorias e metodologias e os dogmas sociopolíticos vigentes nessa etapa na URSS levaram a Psicologia a um corredor que deu lugar a que esta se introduzisse em direção ao positivismo moderno com conseqüências epistemológicas muito negativas para o discurso teórico e para a prática da psicologia. A necessidade de demonstrar a natureza objetiva do psíquico e a objetividade do conhecimento se expressou na Teoria da Atividade em Psicologia… “cujo objeto de análise essencial não era a subjetividade, senão a atividade mesma, processo em que se configuravam os distintos elementos da subjetividade. Neste processo, a subjetividade perdia sua configuração integral e sua autonomia relativa, que ficavam fora da teoria das próprias ciências psicológicas”. González Rey (1997; 2000). Ao abandonar-se o estudo teórico da subjetividade deixou de se considerar o papel ativo do sujeito, o qual ficou minimizado ou completamente esquecido. Não obstante os apontamentos acerca dos defeitos e peripécias da Psicologia Soviética do Esporte, se pode concluir que ela deixa um forte legado, sem o qual é praticamente impossível encontrar algumas das verdades mais relevantes da Psicologia do Esporte de Alto Rendimento. Foram os especialistas em Psicologia do Esporte soviéticos que advertiram sobre a necessidade de vincular o trabalho do psicólogo às respostas dos desportistas no treinamento, ao considerar que para toda intervenção psicológica há a necessidade de se avaliar o grau de treinamento e preparação desportiva. A partir daí, se derivaram importantes conclusões sobre a relação mente-corpo, ao esclarecer algumas das regularidades da intervinculação entre a prática do exercício e sua influência nos processos cognitivos e afetivos do participante. Enfatizaram e levaram à pratica a concepção de que a preparação psicológica do desportista implica no crescimento espiritual e requer o desenvolvimento da vontade e dos valores morais e ideais do desportista, apontando até para a necessária formação educacional deste. Seguindo nesta exposição do desenvolvimento da Psicologia do Esporte nos Estados Unidos da América do Norte, encontramos um panorama simular ocorrido nos inícios da psicologia do esporte na Rússia e na antiga União Soviética. A história da Psicologia do Esporte nos EUA começa com uma das primeiras pesquisas na área, reportada por Triplett (1897) que estudou o rendimento dos ciclistas em condição de interação social e concluindo que a presença de outros competidores facilita ou estimula os rendimentos nos ciclistas. Também nos EUA, uma das figuras mais sobressalentes da Psicologia do Esporte foi, sem sombra de dúvidas, Coleman Griffith, o qual em 1918 começou a realizar observações informais sobre os fatores psicológicos implicados no atletismo, futebol americano e basquetebol, sobretudo no âmbito universitário. Nesse ano e na mesma universidade fundou o primeiro laboratório de Psicologia do Esporte, foi autor de dois livros, “Psicologia do Treinamento” (1926) e “Psicologia e Atletismo” (1928), sendo, além disso, psicólogo consultor da equipe de beisebol profissional do “Chicago White Sox”. A partir dos artigos publicados por Griffith pode-se distinguir três linhas principais de investigação: habilidades motrizes; aprendizagem; variações de personalidade. Lamentavelmente, como assinala Singer (1989), Griffith não teve seguidores durante o período em que trabalhou ativamente. Recordemos que grande parte do trabalho científico se realizava nas universidades, em muitos casos desvinculados da prática cotidiana do esporte de alto rendimento. Esta situação inicial continuou como uma característica da Psicologia do Esporte nos Estados Unidos, e os psicólogos do esporte se dividiram em dois grupos: psicólogos acadêmicos e psicólogos práticos. Psicologia do Esporte em laboratórios experimentais e Psicologia do Esporte de campo. Alguns estudiosos como Martens (1987) assinalam a necessidade de solucionar esta divisão, e nos congressos realizados por organizações nos EUA se tratou do tema, mas prevalecendo ainda a divisão entre acadêmicos e práticos. A nosso ver, as razões que sustentam essa divisão residem no fato de que uma das fontes de trabalho mais importantes e estáveis para os psicólogos do esporte nesse país se encontra nos departamentos de rendimento humano e esporte das universidades. Estas instituições exigem o cumprimento de projetos de pesquisa de cunho acadêmico e contam com uma boa base de financiamento para sua elaboração. É necessário destacar que, com o início da Segunda Guerra Mundial, a investigação sobre aprendizagem de destrezas motoras e as variações implicadas nelas recebeu um forte impulso nos EUA ainda que tenha tido que se adaptar às necessidades das forças armadas, em especial à seleção e treinamento de pilotos. Terminada a Segunda Guerra Mundial, Johnson (1949) publicou na revista Research Quarterly trabalhos que compreendiam estudos das emoções prévias às competições em jogadores de futebol e basquetebol e, nos anos 50, trabalhou em identificar os fatores de personalidades e suas relações com o esporte. Os trabalhos de Lawther, em 1951, na Universidade de Pensilvânia, deram origem ao livro “Psicologia do Treinamento” (Lawther, 1972), que foi treinador de basquete e contribuiu grandemente para o desenvolvimento acadêmico da Psicologia do Esporte em um momento propício para sua aplicação no Esporte de Alto Rendimento. Nos anos 60 se destaca a obra de Ogilvie (1966), que junto a Tutko publicou “O Atleta Problema e seu Manejo”. Os trabalhos de Ogilvie (1966, 1979, 2000) resultaram tão significativos que o consideram o pai da Psicologia do Esporte aplicada nos EUA. Tanto Ogilvie como Tutko e Cratty levaram à prática desportiva os conhecimentos necessários alcançados. Um dos mais prolíferos escritores na área da Psicologia do Esporte é Cratty (1967, 1968), com uma obra extensa sobre aprendizagem motora e Psicologia do Esporte. A nosso ver, um de seus livros mais clássicos na especialidade é “Psicologia da Atividade Física”. Seu trabalho repercutiu de forma significativa, contribuindo para o desenvolvimento da especialização em Psicologia do Esporte em diversas universidades no EUA. A importância da Olimpíada do México em 1968 também repercutiu no desenvolvimento de pesquisas, principalmente sobre o desempenho esportivo em condições de altitude e seus possíveis efeitos sobre a mente dos atletas. Outro fato de importância histórica se deu em 1978, a integração de psicólogos do esporte ao Comitê Olímpico dos EUA. Na década de 80 (oitenta) se incrementou de maneira extraordinária a produção cientifica por parte dos psicólogos norte-americanos nesta área do alto rendimento, além do fato de terem aparecido várias revistas especializadas em Psicologia do Esporte e associações de elevado prestigio internacional. Neste período começa o estudo das relações entre personalidade e atletas de alto rendimento, Scanlan (1978) estudou as características da ansiedade em desportistas e Landers e colaboradores (1986) estudaram as variáveis psicobiológicas de arqueiros. Para muitos, as Olimpíadas de 1984, em Los Angeles, servem como ponto de referência para se falar de uma introdução relevante da Psicologia do Esporte no movimento desportivo olímpico. O emprego da Psicologia do Esporte pela antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Alemanha Oriental, EUA, e outros países se manifestou pela ampla participação de psicólogos do esporte destes países nesta olimpíada. De maneira resumida podemos assinalar que as linhas de trabalho que caracterizam a Psicologia do Esporte nos EUA estão representadas nos seguintes temas: aprendizagem motora; personalidade e motivação; psicologia social e autocontrole emocional. Mas para se obter uma compreensão profunda da Psicologia do Esporte nos EUA, é necessário tomar como referência os trabalhos de Suinn (1980), Wiggins (1984), Mahoney; Suinn (1986) e Singer (1989). Nas obras destes autores se faz patente a grande diversidade de enfoques teóricos, às vezes, muito contraditórios e que levam a uma extensa produção científica caracterizada por seu fracionamento e parcialidade, com insuficiência na ordem metodológica. Neste sentido, é necessário um período de reflexão que valorize o publicado e se integre em um ato teórico que permita a generalização de resultados. Um capítulo entre os que se pode consultar que resume os estudos realizados neste setor pode ser visto em LeUnes; Nation (1989). É interessante também resenhar a trajetória da Psicologia do Esporte em Cuba, que em certo sentido, seguiu as mesmas tendências que em outros países antes assinalados. Um início dentro do campo da pesquisa e da docência como suporte da formação de professores de Educação Física e treinadores e sua posterior irrupção no Alto Rendimento. O surgimento da Psicologia do Esporte em Cuba ocorre na década de 60 do século 20. Fundou-se nesse período a Escola Superior de Educação Física Manuel Fajardo. Posteriormente, em 1972, no Instituto de Medicina do Esporte, foi criado um departamento de Psicologia do Esporte, cujo objetivo era continuar apoiando a preparação psicológica das equipes de alto rendimento. Os primeiros trabalhos foram publicados por Martinez; Russell (1968). Nessa época, e como resultado de cooperação entre Cuba e a URSS, receberam um conjunto de colaboradores especialistas em Psicologia do Esporte, dentre os quais se destacam entre os quais se destacaram Petrovich, Radchenko e Medviedev. O Departamento de Psicologia do Esporte, do Instituto de Medicina do Esporte, contou com um assessor soviético, Vladin Fechenko, de 1974 a 1975. Uma contribuição fundamental para o auge da psicologia do esporte em Cuba foi o próprio desenvolvimento do esporte cubano. Este começou a escalar uma categoria internacional graças aos programas de apoio executados pelo Governo Cubano, que, com isso, proporcionou uma ampla participação da população e assegurou as condições para o desenvolvimento do esporte de alto rendimento. Assim, a Psicologia do Esporte em Cuba emerge no empenho pelo desenvolvimento e consolidação do movimento desportivo cubano como uma força que contribuiu para assegurar o processo pedagógico e educativo dos desportistas e seus resultados no treinamento e competição. Um marco importante neste sentido é a participação de psicólogos no Campeonato Mundial de Boxe do ano de 1974 e, posteriormente, nos Jogos Pan-americanos e do Caribe do México, em 1975. Deste modo, pode-se afirmar que, um dos países com maior tradição na utilização de psicólogos do esporte no Esporte de Alto Rendimento é Cuba, desde as datas anteriormente descritas até a atualidade. Isso permitiu o desenvolvimento de um conjunto de linhas de pesquisa nesta área de aplicação que se relacionam da seguinte forma: Motivação e esporte; Autocontrole das emoções; Estresse; Processos cognitivos; Fatores psicossociais nas equipes desportivas; Psicofisiologia e esporte e Controle psicológico do treinamento. Dentre os êxitos das pesquisas realizadas se encontram: o achado das regularidades psicológicas de diferentes formações de motivação como a autovalorização, a orientação da personalidade e o grau de aspiração na regulação do comportamento em competições (García Ucha, 1988); a identificação de determinados moduladores da resposta de estresse do desportista durante a competição (González Carballido, 2000) e, o registro de variantes psicológicas mediadoras da resposta às cargas de treinamento (García Ucha, 2005). Em 1974 sai o Suplemento nº. 15 do Boletim Científico – Técnico INDER, Cuba –, sobre Psicologia do Esporte, por Carlos Martinó Sánchez e Colaboradores. É a primeira obra escrita ainda sem ser um livro e nela são abordados temas como: a análise do produto da atividade; dinâmica das funções psíquicas dos jogadores de basquete; a orientação da atenção na reação psicomotriz, dentre outros. O primeiro livro escrito em Cuba sobre Psicologia do Esporte foi elaborado por Dorta Sasco em 1984 e seu título é “Noções de Psicologia da Educação Física e o Esporte”, editado pela editora Pueblo y Educación, La Habana. Trata-se, sobretudo, de um resumo dos trabalhos essenciais dos autores soviéticos da época. Posteriormente, foram editados por Valdés Casal, Ucha, González Carballido, Matos, dentre outros, livros importantes para a área. Durante o II Congresso Internacional de Psicologia do Esporte, em Havana, Zaichowsky (1999) expôs que a Psicologia do Esporte de Alto Rendimento ocupava um pequeno espaço dentro da Psicologia do Esporte e assinalava que, no momento em que fazia esta afirmação, nos EUA provavelmente somente sete psicólogos se dedicavam ao Esporte de Alto Rendimento, uns dois psicólogos trabalhavam no Centro de Alto Rendimento de Madrid, talvez uns sete mais no CAR de Barcelona e uns seis psicólogos se revezavam no Centro Nacional de Alto Rendimento de Buenos Aires. É interessante que em Cuba – por razões historicamente excepcionais – se encontrava um número muito superior de psicólogos no Instituto de Medicina do Esporte. Em resumo, os primeiros trabalhos sistemáticos de Psicologia do Esporte se relacionam com o esporte escolar e universitário; a integridade da Psicologia do Esporte como ciência se assegura com a existência do problema formulado: identificar o suporte psicológico da atividade desportiva e aplicar os meios psicológicos para garantir e aperfeiçoar a atuação do participante na atividade física e no esporte e a cuja realização está orientada como ciência na busca teórica e metodológica; o problema fundamental da Psicologia do Esporte constitui não só seu eixo teórico e prático, bem como histórico em dependência do estado e do avanço da sociedade; o período da Guerra Fria acelerou o desenvolvimento da Psicologia do Esporte em ambos os sistemas sociais; os resultados metodológicos da Psicologia do Esporte em países desenvolvidos teve um caráter singular para sua institucionalização; apesar dos avanços realizados nestes países não se chegou a elaborar uma teoria psicológica específica para o homem que participa no esporte de alto rendimento. Para ser mais preciso, como argumenta Valdés Casal (1996, 2000), na curta história da Psicologia do Esporte se estabeleceram várias formas de exercer a profissão, mais influenciadas pelas correntes psicológicas de maior desenvolvimento do que pelas especificidades da atividade a qual se aplicam. De forma que fica faltando o desenvolvimento de um esquema referencial conceitual e a estruturação de suas relações por meio de teorias, hipóteses e axiomas que lhe sejam propostos. As investigações desenvolvidas pelo autor deste capítulo com atletas de alto rendimento partem das mesmas questões que durante anos os pesquisadores vêm tratando de esclarecer. Tais investigações podem ser descritas da seguinte maneira: 1. Há um perfil de personalidade do atleta de alto rendimento? 2. Existem características que predispõem alguns atletas para alcançar elevados rendimentos? J. Vasconcelos Raposo (2006) 3. Quais fatores sócio-culturais e motivacionais determinam o desenvolvimento das motivações para alcançar altos rendimentos? Salmela (2003) e J. Vasconcelos Raposo (2006). Morgan (1980) apresentou seu Perfil do Campeão em estudos realizados com atletas de alto rendimento, utilizando o teste POMS. O perfil, mais que uma prova de personalidade, trata de um instrumento que mede estado de ânimo na área da psicopatologia. Um sem número de pesquisas realizadas com atletas universitários foram efetuadas. Apesar das insuficiências assinaladas, produto das investigações realizadas, uma série de hipóteses foram confirmadas que permitiram predizer a tendência que seguem alguns dos fenômenos no esporte. Por exemplo, uma revisão da literatura sobre rendimento máximo indica que os desportistas vitoriosos tendem a ter altos graus de autoconfiança, estão mais orientados em seu foco de concentração na tarefa esportiva, têm uma menor tendência a se distraírem e exibem uma grande habilidade para dominar sua ansiedade. Além disso, se caracterizam como pessoas com um pensamento positivo sobre sua execução, determinação e compromisso se comparados com os desportistas que têm baixos rendimentos. Possuem, também, habilidades de percepção superiores García Ucha (2001). Estas características psicológicas, dependendo de certos atributos da personalidade do desportista, podem desenvolver-se por meio do treinamento psicológico apropriado. Foram êxitos da década de 90 em Psicologia do Esporte de Alto Rendimento: Ampliação o campo de investigação; Desenvolvimento de estudos interdisciplinares; Aplicação a todas as manifestações do esporte; Tarefas de campo; Introdução em outras áreas da atividade humana; Programas de formação acadêmica; Eventos científicos; Publicações e Internet. Não obstante, a Psicologia do Esporte no Alto Rendimento se encontra em um momento histórico de seu desenvolvimento em que, para avançar em um sentido progressivo, precisa vencer grandes desafios. 1. Não se chegou a um nível científico em que se conseguirá expor uma teoria geral que explique as regularidades psicológicas gerais que regem aqueles que participam de atividade física e esporte. 2. Faz-se necessário enfrentar as diretrizes negativas no esporte atual, tendentes a afastarem-se do Movimento Olímpico, à introdução da comercialização e do profissionalismo. Muitos cientistas no esporte estão, cada vez mais, a serviço de ganhos materiais do esporte do que em benefício da saúde, da qualidade de vida e da formação integral do homem por meio do esporte de alto rendimento. Os produtos das pesquisas são valiosos na medida em que possam ser convertidos em mercadorias. Vendem-se projetos, resultados, diagnósticos e o quanto mais possa influir no resultado desportivo como fim e não como meio da formação integral do homem. 3. A subordinação do político e do social à economia impôs uma ideologia mercantilista, neodarwinista, que aplica à sociedade os princípios da sobrevivência do mais apto ou do mais forte; a competitividade como paradigma se impõe na vida social e isto se reflete no esporte e leva a ameaçar os princípios éticos das ciências do esporte, da qual faz parte a Psicologia. Diante destes problemas os psicólogos do Esporte de Alto Rendimento têm grandes desafios para vencer, que englobam não só a preparação científica, mas, também, e de maneira especial, a preparação humanista, a qual coloca o homem como centro e propósito de toda a atividade. (Ucha, 2006): – a Psicologia do Esporte de Alto Rendimento, mediante as atividades científicas de suas organizações, chegou a expandi-se por todo o mundo, formando agrupamentos que possibilitam uma representação em cada continente; – a Psicologia do Esporte de Alto Rendimento, mesmo contando com um volume considerável de conhecimentos produzidos, ainda deixa pendente um sem número de problemas teóricos, metodológicos e práticos por resolver, dentre os quais se destacam a não exposição de uma teoria coerente e geral do papel das regularidades psicológicas na atividade física e do esporte; – é necessário o desenvolvimento de um enfoque multidisciplinar para que a Psicologia do Esporte obtenha sua plena instauração na atividade científica e nas aplicações práticas. Em suma: 1. É necessário assinalar que os êxitos da Psicologia do Esporte de Alto Rendimento não podem ser explicados exclusivamente pela própria atividade dos psicólogos ou de suas organizações senão, ademais, e de forma determinante, pelo desenvolvimento atual do esporte em todas as suas manifestações e no contexto social, econômico, cultural, político, e até por fatores de ordem geográfica, o que nos leva diretamente à necessidade de uma visão ecológica da Psicologia do Esporte. 2. Os processos de pesquisa em Psicologia do Esporte, entendidos como construção de conhecimento sobre as realidades sociais que lhe competem, têm que considerar o contexto no qual se desenvolvem e as condições que levam as pessoas a responderem aos desafios que este lhes apresenta. Os processos de investigação são condicionados por um contexto, mas é neste que encontram sua justificativa e pertinência, seu significado e legitimidade social. 3. A Psicologia do Esporte, por seu caráter social e humano como ramo das Ciências Psicológicas e por constituir uma Ciência Auxiliar do Esporte, deve ter como propósito o desenvolvimento harmonioso e integral da personalidade daqueles que praticam atividade física e esporte. 4. Requer incrementar a formação ideológica dos cientistas na área da Psicologia do Esporte de maneira especial no conhecimento do legado ético do movimento olímpico. 5. Necessita refletir acerca do esporte como função social. 6. Precisa alcançar o grau mais elevado de formação levando em consideração os avanços e êxitos científicos e tecnológicos da especialidade.

Dr. Francisco Enrique García Ucha